Olhando a sua componente científica, parece-nos hoje claro que o estudo permitiu responder a uma lacuna reconhecida pela Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 (ENIPSSA 2017-2023), visto que foi realizado, pela primeira vez, um levantamento das pessoas que estão em condição de sem abrigo na Região Autónoma dos Açores, assim como as suas caraterísticas sociodemográficas. A utilização de uma metodologia similar à usada por aquela estratégia nível nacional e a data de referência considerada – 31 de dezembro de 2020 – aumentou o alcance deste esforço de aferição pois, além de permitir o levantamento em todos os concelhos e ilhas da RAA, estabeleceu uma base de comparação (a ser feita com cautela) relativamente ao restante território nacional.
Em qualquer caso, fica o alerta, amplamente reconhecido pela maior parte dos atores envolvidos, em vários momentos, neste projeto: dois anos depois, não temos muitas dúvidas em afirmar que os dados aqui apresentados estão desatualizados, subestimando largamente a dimensão do fenómeno, em especial na ilha de São Miguel. Desse ponto de vista, a aprendizagem propiciada pela realização do estudo poderá permitir a realização de novo levantamento durante o ano de 2023, tendo como referente temporal o dia 31 de dezembro de 2022.
Isto remete para um conjunto de atividades e resultados esperados: o da tomada de consciência. A este propósito e, como foi enfatizado em vários momentos – quer nos grupos focais como seminário final -, a realização desta pesquisa exigiu um esforço de articulação e diálogo com os atores e entidades locais envolvidos em torno da necessidade de aprofundamento do conhecimento do fenómeno e, desde logo, do esclarecimento e apropriação do conceito por parte destes. A mera reflexão sobre os conceitos – o que é ser sem abrigo? E sem teto? E sem casa? -, a mera contagem, terá contribuído para o reconhecimento da complexidade deste fenómeno pouco visível e, muito possivelmente, largamente subestimado no contexto da RAA.
Destaque-se também que a riqueza dos debates gerados a partir dos dados recolhidos e das atividades realizadas poderá permitir o aprofundamento de análise futura em três campos críticos: habitação, saúde e emprego e proteção social. Este é aliás um desafio que foi colocado no âmbito do seminário final, realizado em junho do ano transato e ao qual pretendemos dar seguimento – tanto no plano científico, como institucional e organizativo. Resta-nos ter a esperança que este estudo marque uma nova etapa na ação sobre este problema societal, aos vários níveis – regional, de ilha, municipal e local. Na verdade, não se trata apenas de estudar quem está na margem da sociedade, trata-se de estudar a sociedade, nas suas margens.